O CRUSP nos 75 anos da USP

Do blog do Serrano - 27-1-2009

Neste dia 25 de janeiro, foram comemorados os 75 anos de fundação da Universidade de São Paulo - USP. Dentro desses 75 anos de história, houve um evento que marcou toda uma geração de uspianos, mas que não apareceu nas comemorações oficiais: a expulsão pelo Exército, em 17 de dezembro de 1968, quatro dias após a decretação do AI-5, dos moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo – CRUSP.

No dia 29 de novembro passado, por conta própria, os moradores do CRUSP entre 1963 e 1968 promoveram um encontro (foto) para marcar a passagem dos 40 anos da tomada e ocupação do local. Quase 600 ex-cruspianos participaram do evento, compartilharam suas experiências de vida ao longo desses 40 anos e plantaram a semente da recuperação e construção da história do Conjunto Residencial no período.

O CRUSP nasceu à fórceps. Projetado como conjunto residencial na Cidade Universitária para os estudantes da USP, só foi construído diante da necessidade de abrigar os atletas que participaram dos Jogos Pan-Americanos de 1963, realizados em São Paulo. Após o encerramento da competição, foi invadido pelos estudantes para que cumprisse a finalidade para a qual fora projetado: abrigar alunos de fora da capital paulista, sem condições de bancar sua moradia durante a duração de seus cursos.

Naqueles cinco anos iniciais de funcionamento, o CRUSP foi fonte inspiradora e alimentadora do movimento estudantil brasileiro e de vivências existenciais, culturais e políticas criativas, transformadoras e de contestação à repressão imposta ao país a partir de 1964 – que desaguaram nas grandes manifestações de 1968, ano síntese do engajamento da juventude do País e do Mundo em pról da liberdade e da justiça social.

Durante todo o período, passaram pelo CRUSP em torno de 2500 estudantes. No dia da ocupação pelo Exército cerca de 1400 alunos moravam oficialmente no conjunto residencial, sendo que aproximadamente 800 estavam em seus apartamentos na madrugada de 17 de dezembro, pois muitos já haviam viajado para suas cidades de origem para passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias.

O Exército mobilizou tanques e táticas de guerra, com soldados se deslocando de árvore em árvore, protegendo-se atrás de morretes e bancos de cimento, à espera de uma reação que jamais ocorreria. Todos os moradores se entregaram pacificamente e foram presos. Uns saíram rapidamente da prisão outros passaram longa temporada nela, quase sempre sem explicações. E trataram de reconstruir suas moradias pelos bairros de São Paulo, todos com grandes dificuldades, e continuar seus estudos. O tempo ajudou a maioria a superar as dificuldades, mas uns poucos sucumbiram ao brusco corte que o fechamento do CRUSP representou em suas vidas.

Ao contrário do que se propagava e passou erroneamente para a história, o CRUSP era um espaço em que os moradores viviam como os demais estudantes, apenas gozando de mais liberdade e do privilégio de terem uma moradia a que não teriam acesso com seus próprios recursos, pois eram de famílias de fora da capital, do Estado e até mesmo do exterior. Ali estudavam, namoravam, jogavam baralho, freqüentavam o restaurante, a Banca da Cultura, o Bar do Crusp, dançavam nos bailes, praticavam esportes, assistiam e faziam teatro, shows, assembléias.

Sintonizados com o espírito da época, reivindicavam - e muito. E quando às suas reivindicações eram contrapostas negativas injustificadas tomavam a iniciativa de conquistá-las. Assim se deram as invasões dos blocos F e G, para abrigar estudantes aos quais se negavam vagas, da tomada do ISSU-Instituto de Serviço Social da USP, por causa da deficiência de seus serviços, a tomada da lavanderia, a resistência à derrubada dos blocos, I,J e H, a participação intensa no movimento estudantil da época.

A vivência no CRUSP, naquela época, deixou na maioria dos seus moradores, hoje na casa dos 60 a 65 anos de idade, já avós, quase todos com carreiras profissionais bem sucedidas, a lembrança de terem vivido em um espaço privilegiado, em um momento privilegiado, que marcou, para sempre, sua existência e o modo de ver o mundo. Foram beneficiários de um projeto de residência estudantil, posto em pé graças às suas próprias iniciativas e lutas, que deveria existir em todas as universidade públicas, pelo menos. Mas que um dia foi fechado arbitrariamente por um regime politicamente conservador e retrógrado, empenhado em sufocar a liberdade e nunca mais foi reaberto nos mesmos moldes, apesar do país viver há 24 anos em um regime democrático.

Eu fui um dos privilegiados que moraram no CRUSP nessa época.