Mulher de fibra, guerreira e resistente. É assim que os familiares e amigos descrevem a psicopedagoga e militante dos direitos humanos, Nilce Azevedo Cardoso, que morreu na noite desta segunda-feira (21/2) aos 77 anos. A luta contra a ditadura militar está entre legados deixados por ela, que resistiu a um dos períodos mais duros do regime quando foi presa e torturada por quase seis meses no início da década de 1970.
À Ponte, Nelson Cardoso lamentou a perda da irmã e conta que ela estava com a saúde mais debilitada nos últimos anos e pegou uma infecção recentemente. “No velório teve algumas pessoas da militância que exaltaram o que ela fez, foi muito bonito”, contou sobre as últimas homenagens.
Políticos, jornalistas e lideranças de movimentos sociais também lamentaram a perda de Nilce em postagens nas redes sociais. A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) disse que Nilce é exemplo por ter dedicado sua vida a lutar. Já o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) afirmou que a psicopedagoga fará falta e sua luta deve continuar inspirando a todos. A jornalista Eliane Brum disse que Nilce “sabia que sem memória não há justiça”.
Ex-residente do CRUSP, Nilce era professora e psicopedagoga clínica, militante nas questões de Direitos Humanos, principalmente na Educação. Ganhou o título de Cidadã Emérita de Porto Alegre e recebeu a Medalha de Honra do Mérito Farroupilha, da Assembleia Legislativa do RS. Nasceu na pequena cidade de Orlândia, no interior de São Paulo, e passou os últimos anos trabalhando na Clínica do Testemunho, projeto que acolhe sobreviventes da ditadura na capital gaúcha. Ela deixa dois filhos e quatros netos.
Luta pela vida e pela memóriaA menina que sonhava em ser bailarina seguiu para a capital paulista e entrou para a faculdade de Física no mesmo ano do golpe militar. Dentro da Universidade de São Paulo (USP), Nilce Cardoso começou a participar ativamente de movimentos de resistência estudantis como a Juventude Universitária Católica (JUC). Em 1965, passou a integrar a Ação Popular (AP) e, assim como outros estudantes, sofreu perseguições durante manifestações, assembleias e viveu na clandestinidade.
“Entrei na USP em 64 e, junto comigo, entraram os tanques (Exército). Lá era um mundo muito especial, era um aprendizado para além da universidade em si, eu vinha daquele movimento todo de revolução antes da queda do Jango. A nossa geração gritou logo em seguida, resistindo à ditadura. Eu fui aprendendo a resistir”, relatou ela à Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 2015.
No fim da década de 1970 foi para a capital gaúcha trabalhar como operária, professora e coordenava o movimento de resistência quando foi sequestrada e violentada por agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de Porto Alegre a mando do delegado Pedro Seelig em 1972. Ao ser trazida para São Paulo, Nilce também sofreu tortura por agentes do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). “As torturas são sexistas. Tem tortura para homens e para mulheres. Para mim, diziam as coisas mais degradantes, sempre contra a mulher”, denunciou. Somente 40 anos depois, o Estado brasileiro certificou sua anistia política e a reconheceu como uma das sobreviventes dos horrores da ditadura.
No encontro da Comissão Estadual da Verdade do Rio Grande do Sul, realizado no Dia Internacional da Mulher em 8 março de 2013, Nilce relatou as sequelas deixadas pela tortura e deixou um recado sobre a importância da memória de suas lutas: “nós temos que exigir justiça. É a única maneira que nós temos de, pelo menos, honrar todos os nossos companheiros que morreram. Todos nós lutamos, cada um do nosso jeito, e lutamos bravamente”.
Fonte: Ponte Jornalismo