Mário Wajc
Alguém já disse que vemos o passado de forma distorcida e incompleta, através das lentes de nossa mente no presente e que por isso não vale a pena voltar ao mesmo. Mas essa foi uma fase muito importante de nossa vida e creio que juntar essas lembranças merece uma tentativa. Talvez se juntarmos os fragmentos de cada um, surgirá um quadro mais claro...
O PANO DE FUNDO Dois ingredientes principais compõem o cenário dessa época e desse lugar: um contexto político e social extremamente turbulento e um grupo de jovens recém-saídos da adolescência, a maioria vindos de pequenas cidades do Interior de SP, pela primeira vez saindo de suas casas, e colocados juntos em uma forma de convivência talvez pioneira. Fazer a análise sócia psicológica dessa conjunção de fatores é uma tarefa que estar por ser feita. Vou apenas lembrar algumas figuras humanas e situações com as quais convivi, e na forma em que surgiram em minha mente, sem arrumação.
O CAMÕES Era o professor Pardal do CRUSP. Capaz de montar qualquer parafernália eletrônica e consertar qualquer geringonça. Quando o conheci, estava totalmente engessado, pois tinha caído de um dos prédios da USP, ao tentar escalá-lo com uma bicicleta.
A TURMA DA ESTIVA Composta pelo Chico Malaman, Mineiro, Alvarão e Silvio Preto. Famosos pela irreverência e por andarem o dia inteiro juntos e de tamancos. Foram talvez os ancestrais dos atuais ecologistas, pois faziam incursões e acampavam nas matas da Biologia.
O LAURI Um dos sujeitos mais sensíveis que conheci. Politécnico, poeta, compositor e tocador de violão. Foi posteriormente assassinado pela ditadura. Há uma praça em São Carlos (SP) em sua homenagem.
O DESERTINHO Centro de reunião à noite e de madrugada. Composto por bancos em forma de troncos ficava entre os Blocos B e D. Nesse local tocava-se modas de viola e muitos namoros começaram aí.
A VIAÇÃO VANI Havia apenas uma linha de ônibus para a C. U. que passava de hora em hora , na avenida da História. Um grupo ia buscar as meninas que chegavam à noite, pois o local era deserto. Era raro o ônibus não quebrar e normalmente entrava em um posto para abastecer durante o trajeto.
O ITSCHE BARAN Também politécnico, foi meu amigo de infância desde Santos. Entramos juntos no CRUSP. Muito criativo, foi um dos autores do Show do CRUSP, e compositor de canção que foi gravada pelo Abílio Manoel. Era capaz das sacadas mais espirituosas sem mexer um músculo da face. Tornou-se analista da IBM e escritor de livros humorísticos e infantis.
RUFO E NELSON DUM-DUM Colegas de apartamento e da Poli. Também estudamos juntos em Santos. Passamos várias noites em claro estudando para provas. Às 3 da manhã alguém entrava no quarto e perguntava “Vocês tem a apostila para a prova de amanhã?...”. O Rufo, de descendência italiana, tinha paixões de “arrastar bondes”. Tornou-se engenheiro naval. O Nelson adquiriu o apelido de Dum-Dum por tocar bateria e contrabaixo no Show do CRUSP; normalmente ensaiava próximo ao meu ouvido, quando eu queria dormir. A vida fez com que nunca mais os encontrasse.
Saudades.
Mario Wajc Apto 601, Bloco E, de 1965 a 68 [atualizado em 21-5-2018]