FORÇA ESTRANHA

FORÇA ESTRANHA

 

A decisão do governo de Cuba de se retirar do programa Mais Médicos no Brasil é resultado concreto do combate à ideologia, uma promessa de campanha do eleito Jair Bolsonaro.

No segundo turno o candidato escreveu pelo twitter: “a questão ideológica e tão, ou mais grave, que a corrupção”. Durante a campanha declarou: “esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. À batida em retirada dos médicos cubanos teria alcançado seu objetivo.

A notícia foi festejada pelo governo norte-americano.

O Conselho de Segurança dos Estados Unidos (CSN), órgão ligado ao presidente Donald Trump escreveu: “Elogiamos o presidente eleito do Brasil @ Jair Bolsonaro, por tomar posição contra o regime cubano...”

É coerente. Cuba está sobre embargo econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos desde 1960 tendo prejuízos na casa de trilhão de dólares. O governo cubano teve que resistir ao isolamento do mundo com a própria população. Investiu em ensino e pesquisa na área médica (10,57 % do PIB), muito acima dos Estados Unidos, Alemanha e França. Conseguiu atingir índices de saúde dos países desenvolvidos. Tornou-se destacada em pesquisa (foi o primeiro país do globo a evitar a transmissão materno-infantil de HIV), se especializou na prestação de serviços médico-hospitalares e insumos (vacinas e medicamentos) a nível mundial.

Desse desempenho surgiu o “Exército de Jalecos Brancos”. Mais de 50 mil médicos estão presentes hoje em 67 nações de vários continentes onde a saúde é deficitária.

O Brasil foi um dos países que se beneficiou desses profissionais quando em 2013 o Governo Federal lançou o programa Mais Médicos.

O convênio foi estabelecido entre o governo brasileiro e a OPAS (Organização Pan-americana de Saúde), ligada à Organização Mundial de Saúde. A OPAS foi intermediária com o Ministério da Saúde de Cuba cujos médicos são funcionários.

Os cubanos foram admitidos no Brasil na quarta opção do Programa. A prioridade eram médicos brasileiros. Depois, brasileiros sem CRM e terceiro, médicos estrangeiros. A decisão foi considerada legal e aprovada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). 

O fim da participação do governo de Cuba no Mais Médicos atingirá as áreas mais vulneráveis do país: região Norte, semiárido nordestino, cidades com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), saúde indígena e periferias de grandes centros urbanos. “Os dados mostram como será um problema de difícil solução”, é o parecer de Mario Scheffer, professor de Medicina Preventiva na área de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Faculdade de Medicina da USP.

Apesar da lei que criou o Mais Médicos em 2013 incentivar a abertura de novos cursos de medicina e desde que foi promulgada surgirem 117 novos cursos com 9.137 vagas, 93,4% dos formados migraram para os centros maiores, segundo esse mesmo estudo da Faculdade de Medicina da USP.

Em 2017, o Ministério da Saúde abriu 2.320 vagas para o Mais Médicos, 1.626 apareceram para trabalhar e 30% deixaram seus postos antes de um ano de serviço.

Tudo leva a supor que as populações vulneráveis do Brasil estarão desassistidas de serviços médicos por bom tempo.

O Ministro da Saúde de Cuba levou a sério as ameaças do presidente eleito. Deveria ler no Financial Times a entrevista do seu vice-presidente, General Hamilton Mourão, que disse: “Ás vezes, o presidente tem uma retórica que não combina com a realidade”.

General, essa forma de inverter a realidade com palavras é uma força estranha. Essa força é uma técnica de comunicação da ideologia de direita conservadora. Foi usada pelos WhatsApp e deu a vitória eleitoral. Não há erro de Bolsonaro decidir por essa ideologia - governar é mesmo fazer escolhas - e inverter a realidade proclamando que dará combate a ideologia. Não há política sem ideologia, engana-se quem quer.