PAZ DO CEMITÉRIO

PAZ DO CEMITÉRIO

 

Donald Trump instigou Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, a se autoproclamar no lugar de Nicolás Maduro Moros (isso mesmo, xará no plural do nosso), eleito pelo voto dos venezuelanos.

Embora o presidente americano tenha dito que dará todo apoio financeiro e diplomático ao seu comandado esqueceu de consultar aos venezuelanos. A própria oposição, da qual Guaidó nem mesmo líder é, foi pega de surpresa. Os Estados Unidos e os países satélites (Canadá, Peru, Colômbia, Paraguai, Chile, Costa Rica, Argentina, Guatemala, Equador, Honduras e Panamá) dentre os quais o Brasil atual, reconheceram de imediato o governo autoproclamado. O povo, a favor e contra Guaidó, saiu para as ruas provocando a morte de 26 manifestantes no confronto.

O impasse está criado. A ameaça tende a ser grave, seja pela guerra civil ou por uma intervenção militar externa.

A Rússia e a China apoiam o governo Maduro e se posicionam contrários a qualquer intervenção no país. Os Estados Unidos convocaram o Conselho de Segurança da ONU, mas esses países asiáticos têm poder de veto, votarão contra à ingerência militar na Venezuela. Rússia e China tentarão impedir que surja um quadro parecido ao do Iraque ou Síria no solo da América do Sul e contam com a intermediação do conflito pelo México e Uruguai.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos se consideram xerifes do mundo. Acham-se com direito de intervir em qualquer parte do planeta, fazer valer seus interesses econômicos, mesmo que restem desgraça e sofrimento para a população local. Sempre executaram a geopolítica através de força invisível, disfarçada e dissimulada. A vitória de Trump, por sua notória arrogância, escancarou o cinismo americano. Assumiu-se “dono do mundo” não há mais necessidade de escamotear os planos imperiais e faz agora, da Venezuela, a bola de vez.

Trump não age como George W. Bush que em 2009 usou a Suprema Corte e o Exército hondurenho para destituir o Manuel Zelaya da presidência de Honduras. (Embora em 2002 Bush tenha apoiado o golpe fracassado para derrubar Hugo Chaves). Ou Barack Obama que em 2012 aguardou o impeachment de Fernado Lugo, presidente do Paraguai, em pouco mais de 24 horas, pelo Parlamento paraguaio. Ou ainda, em processo mais lento, o impeachment de Dilma Rousseff ratificado pelo Senado em 2016.

Trump poderia ter usado o mesmo método do impeachment já consagrado, contaria com a Assembleia Nacional e manteria a aparência de democracia. Preferiu o atalho bastando Guaidó se autoproclamar presidente e seguida ser referendado por ele mesmo, Trump, que se encarregaria do apoio diplomático para reconhecimento por outras nações.

Os Estados Unidos são os promotores da crise humanitária que a Venezuela atravessa. As sanções impostas ao país, como a entrada de alimentos e remédios, com objetivo prejudicar a população vêm desde 2015. Nesse ano Obama assinou um decreto declarando a Venezuela, uma “ameaça à segurança nacional” e passou a conturbar a vida interna do país sem clemência, interferindo em sua soberania, em nome da democracia e da paz. A “Paz Americana” é essa que se vê em fotos de Bahrein, Iêmen, Afeganistão, Líbia, Egito, Síria, Iraque, as cidades transformadas em cemitérios a céu aberto.