O SEGURO MORREU DE VELHO
A causa dos cada vez mais frequentes acontecimentos trágicos é o “jeitinho brasileiro”. Depois da comoção, morte e dano material a causa da prática irregular, quase sempre criminosa, acaba descoberta.
Na morte de Ricardo Boechat, ícone do telejornalismo brasileiro, segunda-feira (11), a negligência é evidente, o helicóptero não estava habilitado para transportar passageiros. Não houve má fé considerando que o responsável, também, foi vítima.
Já a dolorosa morte de 10 garotos em idade entre 14 e 16 anos no incêndio do alojamento do Clube de Regatas Flamengo, terça-feira (5), é um retrato cruel de desprezo ao cidadão.
O alojamento não possue alvará de funcionamento, não têm certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros, as instalações são precários contêineres que funcionaram como câmara de gás nas penas de morte. A lei obriga a manutenção de alojamentos adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade como determina a Lei Pelé - nº 9.615/98. Deu-se preferência à “lei de Gérson” de levar vantagem em tudo sem gastos, pois os garotos rendem milhões. Os clubes que formam atletas receberam 40 milhões de reais da Fifa, em 2018.
Os megas desastres de rompimento de barragens das empresas Samarco em Mariana e Vale em Brumadinho provocaram prejuízos ambientais irreparáveis e causaram mais de três centenas de mortes. Um genocídio, disse o bispo Dom Fernando em missa no Santuário de Aparecida, que deixa de herança o aniquilamento moral, psicológico e dor terrível às famílias destruídas. O “jeitinho brasileiro” se apresenta assim com sua máscara mais sórdida, diabólica e cruel.
“Não existe em nenhum relatório, laudo ou estudo conhecido qualquer menção a risco de colapso iminente da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho”, disse a empresa Vale em nota por e-mail à Reuters. É burla. Os documentos foram elaborados por funcionários da própria empresa (engenheiros e geólogos) ou por empresas contratadas. Os profissionais são obrigados a apresentar soluções cujo resultado é a fraude de laudos e relatórios para legalizar a situação da empresa. A mais simples das soluções, o papel tudo aceita.
No artigo “Vínculos entre acidentes em engenharia e o ambiente em obra” de autoria do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas (Jornal GGN, 11.02), deixa claro o conluio no ambiente empresarial. O profissional ou a empresa contratada para ser considerada “do time” é obrigada a “fazer o jogo da empresa”.
Em depoimento à Polícia Federal, Makoto Namba, engenheiro, um dos responsáveis pela inspeção da barragem confirmou ter sido pressionado pela Vale para dar um laudo que garantia a estabilidade da barragem. O depoimento do geólogo Grandchamp, funcionário da Vale, segue no mesmo sentido.
A alta magnitude desse desastre com cobertura de documentos falsificados, requer vigorosa intervenção do Estado visando banir de vez a sanha incontrolável do lucro que consome vidas e destrói a natureza.
O chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni (29.01), recusou a intervenção justificando, textualmente, “não seria uma sinalização desejável ao mercado”.
O ministro confessa que adota o “jeitinho brasileiro” para governar. As regras do jogo estão claras. São as mesmas da empresa, o governo está obrigado a “fazer o jogo” do mercado.
As leis do mercado que visa, exclusivamente, lucro e estabilidade da Bolsa estão acima das leis de proteção da sociedade. Conclui-se que não havendo compromisso com o bem-estar os brasileiros estão predestinados à exclusão social ou da própria existência.
A população vive às traças. O cidadão é útil apenas nas eleições para garantir o faz-de-conta que há democracia de onde nada pode esperar ou estar seguro, porque isto é coisa morta.