EU, PIERRE RIVIÈRE, QUE DEGOLEI MINHA MÃE, MINHA IRMÃ E MEU IRMÃO (M. Foucault,1973)

EU, PIERRE RIVIÈRE, QUE DEGOLEI MINHA MÃE, MINHA IRMÃ E MEU IRMÃO  (M. Foucault,1973)

 

Antes de amarrar a corda em uma árvore do matagal ao lado da Rodovia D. Pedro II e se suicidar, Tales Volpi, o MC Reaça, enviou um áudio à esposa.  Fato ocorrido sábado (01. 06)

O suicida de 25 anos aos prantos pedia perdão à esposa. Que ela cuidasse de Miriam (?) e da criança caso não tivesse morrido. Dizia ao pai que o amava muito, não fez referência à mãe.

Miriam, sua namorada, estava grávida.

Naquele momento dava entrada no hospital com várias fraturas no rosto e hematomas generalizados pelo corpo. Havia sido brutalmente espancada por ele.  

Encerrou o vídeo dizendo: “Você é forte, amor. Mas, eu não sou”.

O corpo foi encontrado pelo policial rodoviário de sobrenome “de Jesus”.

MC Raça foi autor de jingles e partícipe ativo da campanha de Bolsonaro. 

As letras ofendiam políticos de esquerda e Paulo Freire “deveria ser mandado para a estratosfera”. Em outros trechos diz: “Dou pra CUT pão com mortadela e para as feministas, ração na tigela. As minas de direita são as top mais bela, enquanto as de esquerda têm mais pelo que cadela”.

Bolsonaro lamentou a morte:

“Ele queria mudar esse país e fez sua parte com todo talento, sabedoria e humildade. Ele está nos braços do Pai”.

O comentário do Presidente da República levanta algumas questões. Qual é o entendimento que tem sobre talento, sabedoria, humildade para alcançar o almejado desejo de “mudança” do país?

Que mudança espera para o país?

Em sua declaração encontram-se alguns elementos de resposta.

A banalização do terrível acontecimento, a agressão brutal covarde seguida de suicídio e a salvação redentora pelos “braços do Pai”.

O silêncio hipócrita sobre a vítima. Uma mulher em gestação com traumatismo craniano e hematomas generalizados. Deixa em aberto a suposição maldosa do subentendido de que se trata de uma vagabunda.

A valer-se dessa hipótese encontra a paz de consciência na racionalização religiosa.

Ela cometera adultério cuja pena é o apedrejamento bíblico. Era merecedora de sofrimento em última análise. Justifica o ato agressivo, moralmente, tomando como base a memória retrógrada do ensino religioso.

O ordenamento jurídico do Código Penal Brasileiro, porém, tipifica o ato como crime.

O choque de interpretação dos fatos está consolidado no lema de campanha: o Brasil acima de tudo, mas Deus está acima de todos. A Bíblia na doutrina evangélico-religiosa (a religião), prima sobre as leis do Estado na acepção do presidente. A tônica do presidente e, por extensão, de seus auxiliares inclusive militares, é a interpretação religiosa dos problemas concretos do país.

A laicidade do Estado prevista na Constituição Federal, é relativizada. Decisões de ideologia religiosa permeiam medidas provisórias, decretos, demissões, perseguições e estão nas declarações diárias. O presidente acenou com a nomeação de juiz evangélico para o STF; a namorada do Lula foi transferida de Curitiba para Foz de Iguaçu a 600 km são exemplos recentes que confirmam o objetivo de implementação de um Estado confessional persecutório.

Essencialmente, esse tipo de Estado é a meta proposta por Olavo de Carvalho e o “Movimento” de Steve Bannon, adotada por Bolsonaro e filhos, como estratégia de banir o poder da esquerda popular e substituir pela direita popular.

A relação que se estabelece entre o institucional e o indivíduo configura “processo de subjetivação” enunciado por Michel Foucault.  A questão do poder foi por ele estudada nos hospícios, clínicas psiquiátricas e presídios e resultou na famosa obra “A História da Loucura”. No trabalho “Vigiar e Punir”, já pelo título, é possível entender a dimensão que toma o poder, relacionar ao papel histórico da Lava Jato e a importância de Sergio Moro no processo de subjetivação atual.

Bolsonaro é, intelectualmente, limitado e se comunica por platitudes, frases curtas e feitas. As palavras são poucas quem negligencia é ingênuo, elas denunciam todo um enredo teórico do qual não sabe defender.  A máxima sobre seu papel se resume numa frase dita por ele: “Não vim para construir. Primeiro é desconstruir”.

Desconstruir e não destruir, significa respeitar os parâmetros da democracia para resolver problemas sem apelar para ditadura para que tenha aparência de normalidade.  A democracia é muito elástica. Estão aí o impeachment de Dilma, a prisão de Lula, a morte de Marielle/Anderson, a blindagem de Aécio, Temer, Queiróz e Flavio Bolsonaro como exemplos.

Desconstruir estruturas da esquerda e eliminar indivíduos contrários ao plano do populismo de direita – é o quadro de problemas prioritários do governo Bolsonaro.

A solução de problemas pela aniquilação do outro é a pratica de Pierre Revière na narrativa de Foucault que explica a gênese subjetiva do poder. Assim agiu o MC Reaça para resolver o problema com a amante. Como era “fraco” se suicidou.

Bolsonaro pode estar seguindo o roteiro. Fecharia com chave de ouro se “de Jesus” aparecer para baixar o pano do espetáculo.