EUFRÁSIO

EUFRÁSIO A primeira vez que conversei com Eufrásio não me importei.  Meu cunhado perguntou se seria verdade o que Eufrásio dizia.  Não havia dado ouvidos, não soube responder.  Então me estimulou com seu modo pausado e sorridente de falar baiano. Eufrásio tinha estrutura lógica de pensamento, perfeito absurdo, disse-me e disparou o riso.  Entendi estava a dar crédito à narrativa de Eufrásio e ria de si mesmo.  Desejava saber minha opinião.  Entre meu cunhado e eu havia um contrato tácito de troca de ideias.  Estava me obrigando a adentrar no mundo de Eufrásio à procura de resposta. Na próxima semana eu seria ouvinte atento de Eufrásio. Meu cunhado, psiquiatra, era diretor do maior hospício da cidade. Havia se especializado em doentes crônicos. Eufrásio era seu paciente. Eu, apenas cunhado. Como parte de seu método de tratamento, ainda em estudo, me consultou sobre a possibilidade de trazer paciente para passar o final de semana em minha casa. Chamava isto de ‘ressocialização gradual’. Seria eu cobaia, honrosamente, dito por ele, sociedade. Melhor, representante da sociedade, corrigiu sorrindo de costume. Absolutamente, não me opus. Eufrásio nasceu no Pará. Era de estatura média para menos, meia idade para mais, cabeça volumosa e calvo. Tinha sido zelador de prédio de apartamentos na Capital durante muitos anos. Certo dia desapareceu, inexplicavelmente.  Seis meses se passaram. Foi encontrado em terreno baldio próximo ao aeroporto de Clevelândia, ao Sul do Paraná. Também, inexplicavelmente.  Tido como indigente, falante, lúcido, foi reconduzido para o endereço onde trabalhava e residia sem família. A justificativa da ausência prolongada foi a razão da internação no Juqueri de Franco da Rocha. Por convênio transferido para o interior tornando-se paciente de meu cunhado.  - “O caso de Eufrásio é muito interessante. Você vai gostar”, acentuou meu cunhado sem explicar. O primeiro sábado que ele esteve comigo não demostrou anormalidade. Conversava bem, educado e solícito. Também, não demonstrei curiosidade em saber de sua vida.  Na segunda oportunidade arrisquei a pergunta corriqueira. Levaria mais de uma dezena de sábados para obter a resposta completa. - “Por que você está no Bezerra de Menezes?”. - “Não acreditam em mim”. Foi a ponta do fio a desenrolar a meada. A história é simples.  Mas, me senti diante de uma página não escrita do “Planeta da Possibilidades Impossíveis”.  O caso se começa numa madrugada. Não havia amanhecido.  Eufrásio iniciava a rotina diária de aguardar o caminhão de coleta de lixo. De repente clareou como ao meio dia. Perdeu os sentidos. Ao recobrar viu-se no interior de uma nave espacial imensa.  - “Conheci todos os planetas do sistema solar”, disse-me. Calei-me, ele insistiu: - “Inclusive um que ninguém descobriu” - “Não me diga?”, respondi com a certeza que encontraria um sinal de delírio. - “Ele é menor que Plutão. Tem órbita igual à da terra. Mas fica atrás de Júpiter, não aparece. Telescópio não adianta, só com nave. Não dispunha de parâmetro de comparação para negar ou afirmar. Tinha lógica, pelo tamanho imenso de Júpiter. Combinamos cada sábado me relatar a visita que fez em um planeta por vez.  Evidentemente, estava com um turista espacial e diante de informações superficiais sensitivas comuns de viajante. Não encontrei discordância com a literatura que dispunha a respeito. Voltamos a conversar, eu e meu cunhado. Disse: “Vou separar comportamento da narrativa de Eufrásio.  O comportamento é de pessoa normal. Mais até. É pessoa pacífica, cordial, educado e solidário. O relato, também, vou dividir entre os dados e a história da abdução. Os dados estão corretos, não são imaginários, surgiram de algum lugar concreto: livros, filmes, ouvir de outrem etc. Quanto à viagem astral não há provas....” - “Ele disse que um dia me provaria”, interrompeu-me. - “Mesmo que não prove. Não há razão para continuar internado. Todo mundo tem suas histórias meio malucas...” Novamente, se adianta: - “Era o que esperava ouvir para estar seguro da minha decisão. Vou dar alta hoje mesmo”. Eufrásio recebeu alta.  Meu cunhado o levou até a rodoviária. Falou com o motorista que guardou sua mala. Aguardou que tomasse o ônibus naquela noite. Chegaria à Capital ao alvorecer. Nunca chegou.  Inexplicavelmente, desapareceu.